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Terça-feira, 16 de março de 2021

ADUFRGS inaugura Série de entrevistas sobre autonomia universitária.

A autonomia universitária está em risco e a ADUFRGS-Sindical, que representa os docentes da UFRGS, UFCSPA, IFRS e IFSul, estimula a discussão sobre esse tema a partir de uma Série de entrevistas com representantes de instituições federais de ensino. Com essa Série, o Sindicato pretende levar a discussão à sociedade.

Desde o início do governo Bolsonaro, 17 reitores foram indicados pelas suas comunidades acadêmicas e não empossados. Na maioria dos casos, foi escolhido o terceiro nome da lista tríplice e, em alguns, nomeado um interventor. 

A lei não impede que seja nomeado o segundo ou terceiro da lista tríplice, mas desde a inclusão das consultas à comunidade para escolha de reitores na Constituição Federal que o Brasil não via um desrespeito tão grande com um processo democrático e legítimo. Isso não se dá somente na eleição de reitores, mas se estende à gestão administrativa das instituições de ensino. Tanto, que os reitores eleitos e não nomeados estão recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a autonomia universitária.

Para o reitor da Universidade Federal da Bahia, João Carlos Salles, primeiro entrevistado desta série, a não nomeação dos reitores eleitos comprova que “em dimensão inédita, se tem desrespeitado o debate e a eleição realizados em cada instituição.” Leia, nesta entrevista, a opinião do reitor sobre o tema.


PORTAL ADVERSO: Há duas ações tramitando no STF - a ADF 759 e a ADI 6565 - no sentido de garantir a posse do reitor eleito pela comunidade acadêmica e a autonomia das universidades e institutos federais, certo? Como está o andamento dessas ações e qual a expectativa de votação?

JOÃO CARLOS SALLES: Sim, são essas duas ações. A ADI 6565 tem parecer do relator, ministro Edson Fachin, que afirma deve ser indicado o primeiro da lista, mas foi retirada do Plenário Virtual pelo ministro Gilmar Mendes. Desse modo, aguarda decisão do presidente do STF para retornar à pauta, havendo previsão de que retorne em junho de 2021. A ADPF 759 tem liminar concedida pelo relator, Ministro Edson Fachin, tendo sido votada em Plenário Virtual, permitindo que o presidente escolha qualquer nome da lista tríplice. Por enquanto, porém, nenhuma das duas ações teve seu mérito decidido.

PORTAL ADVERSO: O governo Bolsonaro tem demonstrado hostilidade com as instituições federais de ensino. A que o senhor atribui esse comportamento?

JOÃO CARLOS SALLES: Temos um governo com forte viés obscurantista. No que se refere à ciência, sua atitude é muitas vezes negacionista, sendo um exemplo disso o conjunto de declarações em relação à pandemia, à vacina, etc. O governo tampouco esconde sua nostalgia pela ditadura militar, ao lado de clara hostilidade ideológica a pautas democráticas, como as que prezam a diversidade. Desse modo, o governo só pode ver nas universidades um gasto desnecessário e não um investimento no futuro do país. Essa é uma limitação estruturante. Com uma visão estreita de política e uma pauta fortemente ideológica, o governo parece não reconhecer nas universidades um projeto de Estado, tratando-as antes como se fossem um incômodo, um obstáculo. E essa tensão deve continuar, pois é da natureza das universidades serem um lugar de resistência ao obscurantismo e ao autoritarismo.


PORTAL ADVERSO: Já houve demonstrações de ameaça à autonomia das universidades. O senhor acredita que estamos caminhando para um processo de intervenção do governo em todas as instituições públicas? Quais as consequências disso, na sua opinião?

JOÃO CARLOS SALLES: O desdém governamental começa com o desrespeito à vontade da comunidade universitária. Ao não confirmar o nome do candidato que enfrentou todos os debates e foi escolhido pela comunidade, o governo torna a comunidade inepta. Ora, a noção de autonomia está associada intimamente a maturidade de um sujeito que pode decidir por si mesmo, não sendo determinado por uma vontade alheia. É assim insidiosa e destruidora a prática, que vimos ser extensa, de desrespeito dessa vontade. Quebrada a vontade e a autonomia da universidade, reduzida a instituição a uma mera repartição pública, a quem não cabe produzir conhecimento e refletir, temos um grave atentado a um projeto de nação independente do ponto de vista tecnológico e intelectual. 

E esse não é um movimento isolado, pois a ele se associa uma diminuição do próprio Estado, com um ataque à figura e às prerrogativas do servidor público. A gravidade desse movimento de destruição política do comum, das instâncias responsáveis pelo bem comum, vê-se claramente neste momento de pandemia, pois facilmente identificamos como a ausência de Estado agrava a vulnerabilidade da população, fazendo com que os números da doença também traduzam a falta de recursos, de saneamento, de condições mínimas da imensa maioria da população de respeitar as melhores orientações sanitárias. 
 

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