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Sábado, 01 de junho de 2019

Sem a revogação da EC 95, futuro da Educação Pública é incerto.

Por Daiani Cerezer

Desde o dia 30 de maio, pesquisadores e especialistas em educação estão em Porto Alegre para participar do Seminário “Presente e Futuro das Universidades e Institutos Federais”. O evento, organizado pelo PROIFES-Federação, em parceria com a ADUFRGS-Sindical, está debatendo o futuro das instituições de ensino diante do cenário de cortes orçamentários e as incertezas sobre a política educacional no país.

Na tarde de ontem, 31 de maio, o painel “Perspectivas das Universidades e Institutos Federais” foi apresentado pelo diretor de Relações Internacionais do PROIFES-Federação e professor da ADUFSCAR, Gil Vicente Reis de Figueiredo, pelo reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, que também é representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), pelo presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Jerônimo Rodrigues da Silva, e pelo presidente do ILEA e representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), José Vicente Tavares.

“Governo Bolsonaro quer socializar a miséria, quer um Brasil que não pense no futuro, que não seja soberano” (Gil Vicente)

Gil Vicente abordou as perspectivas da educação superior federal no Brasil, alertando para as consequências da Emenda Constitucional 95. A vigência da EC 95 levará a uma queda dos investimentos em educação de, no mínimo, 20%, passando de 6,5% para 5,4% do PIB/ano, em uma década. Outro dado destacado pelo dirigente é que os cortes ocorrem em um cenário de evolução gigantesca das matrículas nas universidades públicas e privadas, entre 1995 a 2016, e aumento do número de docentes nas instituições federais. “Com a mesma verba de quase duas décadas atrás, teremos que gerenciar o dobro de alunos nas universidades e instituições de ensino”, alertou. 

O objetivo da EC 95, na avaliação de Gil Vicente, é congelar os investimentos nas áreas sociais, aumentando os recursos destinados ao pagamento da dívida. Porém, os valores destinados ao pagamento da dívida pública não alcançaram, nos últimos anos, o que seria necessário para pagar apenas os juros da dívida. “A consequência é que a dívida pública vem subindo, e alcança hoje quase 80% do PIB”.

Na opinião de Gil Vicente, é urgente fazer com que os ricos paguem mais, reduzindo as isenções, taxando a especulação financeira, regulamentando o imposto sobre grandes fortunas, criando a contribuição progressiva sobre transações bancárias, destinando para a educação parte significativa dos “royalties” e “participações” oriundos da exploração do petróleo, e dos royalties sobre a exploração mineral (que no Brasil são muito baixos).

O diretor do PROIFES concluiu que a vigência da EC 95 levará à inviabilização das universidades e institutos federais, e da ciência e tecnologia. Consequentemente, haverá forte impacto negativo na formação de profissionais qualificados em todas as áreas e redução significativa da pesquisa e da produção de conhecimento.

Para ele, “é inaceitável colocar em risco esse imenso patrimônio construído pelo povo brasileiro. É imprescindível lutar por um Brasil soberano, com menos injustiças e mais desenvolvimento científico e tecnológico”.

Ações e desafios para o futuro da Ciência, Tecnologia e Inovação

José Vicente Tavares partiu do pressuposto de que é importante e necessário o diálogo permanente entre governos e setores de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), e que a comunidade científica quer participar da discussão e implementação de políticas públicas. Outras premissas, segundo ele, são a importância da ciência para o desenvolvimento sustentável e o reconhecimento de que a ciência básica é elemento essencial para as inovações tecnológicas.

A partir daí, o presidente do ILEA defendeu a imediata recuperação orçamentária da área de CT&I e o fim do contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Sobre estratégias e ações de médio e longo prazo, José Vicente citou a meta de 3% do PIB para pesquisa e desenvolvimento, novas fontes de recursos, articulação/fortalecimento do Sistema Nacional de CT&I, expansão significativa da inovação tecnológica e social, programas mobilizadores nacionais (biomas, Amazônia Azul), programas estratégicos (nuclear, espacial, novos materiais, saúde), laboratórios associados, internacionalização da ciência brasileira, melhoria da educação científica e popularização da C&T.

Tavares encerrou falando sobre os grandes desafios a serem superados para que estas ações sejam colocadas em prática: educação de qualidade (em particular ciências e matemática), recursos públicos e privados para CT&I, desburocratização e marcos legais adequados, inovação, melhoria da qualidade da produção científica e tecnológica, compartilhamento da ciência produzida através da promoção da cultura científica, CT&I inserida em um projeto de nação democrática e soberana, com desenvolvimento sustentável, mais rica e menos desigual.

“O governo está nos impondo uma redução de 59% dos investimentos na educação profissional” (Jerônimo Silva)

Jerônimo Rodrigues da Silva fez um resgate histórico da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), lembrando que, quando foram criadas, as escolas de aprendizagem preparavam os jovens brasileiros “desvalidos de sorte” para o mercado de trabalho, facilitando a sua empregabilidade. 

Em mais de uma década, a rede passou por transformações que resultaram na fundação de 38 institutos federais. Além do ensino, a Rede também trabalha com a geração de políticas pública de pesquisa, de extensão e de inovação, considerados eixos centrais da formação.

Através da oferta de cursos de licenciatura, a RFEPCT forma professores para prover os sistemas educacionais do país, com o objetivo de reduzir o grande déficit de profissionais, especialmente nas áreas de ciências exatas e da natureza. Em 2018, foram ofertados 775 cursos, nos quais se matricularam 89.753 estudantes. Os programas de formação de professores contemplam, ao todo, quase 100 mil matrículas.  O presidente do Conif relatou avanços na Rede Federal relacionados à evolução do Índice de Titulação do Corpo Docente, que teve uma evolução de 48,15%, entre 2011 e 2018, e à queda da taxa de evasão, que, segundo ele, “vem apresentando decréscimo a cada ano”, de 23,3%, em 2017, para 18,6%, em 2018. Jerônimo Silva observou ainda que, dos 964.593 estudantes da Rede Federal, 60,92% são jovens de faixa etária até 24 anos, e que, 75,28% deles têm renda equivalente a 1,5 salário mínimo.

Apesar do papel relevante desempenhado pela Rede, “o governo está nos impondo uma redução de 59% dos investimentos na educação profissional”, lamentou o dirigente. “É preciso dizer que um patrimônio dessa magnitude precisa de condições mantenedoras dos seus serviços, em sintonia com a legislação e com o legítimo direito da sociedade por uma educação pública reconhecidamente qualificada e socialmente referenciada”, concluiu.

“Não pagamos a conta de energia elétrica em maio. Não temos dinheiro para isso e não foi por conta do bloqueio, mas por conta do congelamento do teto.” (Rui Oppermann)

O representante da Andifes e reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann encerrou o painel desta sexta-feira, destacando que, desde os anos 80, muitos governos nacionais e organismos financiadores internacionais têm atribuído à educação superior um nível de prioridade relativamente baixo. “Análises econômicas de olhar estreito e, em nossa opinião, equivocadas, têm contribuído para formar a opinião de que o investimento público em universidades e em instituições de educação superior se traduziria em ganhos insignificantes em comparação com os ganhos do investimento em escolas primárias e secundárias, assim como de que a educação superior aumenta exageradamente a desigualdade de ganhos.”

Segundo Oppermann, “estamos coesos na convicção de que a urgente tomada de medidas para expandir a quantidade e melhorar a qualidade da educação superior nos países em desenvolvimento deveria constituir-se em máxima prioridade nas atividades de desenvolvimento”.

Comparando o valor médio aplicado por aluno na educação básica e na educação superior, entre os anos 2000 e 2015, reitor da UFRGS mostrou que a elevação real de 200% no valor aplicado em educação básica não se aplica à educação superior, que se manteve estagnado neste período. “É lógico que um aluno de educação superior custa mais do que o da educação básica. Isso é em qualquer lugar do mundo. A questão toda é saber exatamente de que maneira a defasagem na educação superior está tirando a nossa capacidade de investimento nos nossos alunos”, questionou.

Sobre a questão da autonomia universitária, Oppermann enfatizou a grande diferença entre o financiamento e a gestão financeira. “Temos que ter autonomia da gestão financeira, o que é diferente de autonomia financeira. Autonomia financeira significa eu ter que buscar recursos em todos os lados. porque eu teria obrigação de produzir o financeiro da universidade. Agora, autonomia da gestão financeira diz que alguém tem que prover e eu faço a gestão. Quem deve prover, conforme a nossa Constituição, é a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. A União, por seu lado, deve organizar um sistema federal de ensino, financiando as instituições de ensino público federais.” Para o reitor, “os cortes, que são chamados de bloqueios, mas que, cada vez mais, têm características de cortes, até pelo comportamento pouco digno das autoridades que estão no MEC, vão de encontro ao que dispõe a Constituição e a própria LDB”. Sobre isso, Oppermann, fez referências aos “rumores sobre a possibilidade dessa obrigatoriedade ser retirada da nossa Constituição, deixando que esses financiamentos sejam separados, ou seja, não tenham mais o caráter obrigatório”. Diante disso, alerta, “temos que estar muito atentos, porque eles podem fazer isso na calada da noite e dizer, ainda, que estão fazendo pelo bem do Brasil”.

Outra questão que deixa o reitor “absolutamente preocupado” é o que o Ministério da Educação “está dando a entender, em diretas e indiretas, de que só há uma solução para não romper o teto e gastos: reprimir mais os custeios ou baixar o custo com pessoal, e baixar o custo com pessoal não é mais ‘não dar aumento’, pois isso eles já superaram, mas é criar o regime da redução de carga horária com redução salarial”.

A proporção dos gastos de OCC (outras despesas de custeio e capital) em relação ao orçamento total da UFRGS passou de R$ 14,6 mi para R$ 9,62 mi, ou seja, “nós estamos reduzindo os nossos gastos e, ao mesmo tempo, não estamos conseguindo quitar as nossas contas”, adverte o reitor da UFRGS. “Por consequência, levamos para o outro ano uma dívida crescente e essa dívida é muito assustadora. A dívida que nós trouxemos de 2017 para 2018 foi de R$ 8 milhões. Isso é uma bola de neve geométrica. De 2018 para 2019, foram 15 milhões. Nosso orçamento de 2019 já entrou com menos 15 milhões. Resultado: não pagamos a conta de energia elétrica em maio, não temos dinheiro para isso e não foi por conta do bloqueio, mas por conta do congelamento do teto”, desabafa. Ao mesmo tempo, relata, “estamos sendo muito mal recebidos pelo ministro. O fato é que não temos tido ressonância no Ministério, o que torna a situação cada vez mais crítica”.
 

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