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Sexta-feira, 29 de junho de 2018

Entrevista com Clemente Ganz, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos

Clemente Ganz Lúcio ocupa o cargo de diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES) e do Conselho de Administração do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI.

PORTAL ADVERSO - Quando iniciou e quais são as principais características desta 4ª Revolução Industrial?

Clemente Ganz Lúcio - Essa revolução é uma continuidade das inovações tecnológicas que, dos anos 70 para cá, se intensificam em todo o mundo, que combinam comunicação, computação e o uso da internet. Então, são três dimensões que, simultaneamente, aceleram o processo de inovação tecnológica.

Outra dimensão que se incorpora nessa chamada 4ª Revolução é uma sofisticação da tecnologia que substitui, cada vez mais, as atividades humanas. Não só a força de trabalho (o braço mecânico, a máquina que substitui a força física), mas também atividades mais finas, mais sensíveis, como o pensamento e a própria interação. Programas que interagem com pessoas irão substituir o trabalho humano no telemarketing, no atendimento, na elaboração de atividades que exigem capacidade cognitiva.

Isso se intensifica, fundamentalmente, nesta década em que países, como a Alemanha, lançam plataformas de inovação extremamente ousadas, que integram a atividade industrial à cadeia de serviços e comércio. É uma inovação que se expande para todas as esferas da produção econômica, diferentemente das etapas anteriores, que eram fortemente concentradas na atividade industrial. Essa inovação altera o padrão tecnológico no setor industrial, na agricultura, no comércio e, especialmente, no setor de serviço.

PORTAL ADVERSO – Como ocorre esta integração?

Lúcio - A integração do sistema produtivo ocorre não só fisicamente, no mesmo espaço, mas também globalmente, ou seja, há uma integração dos estoques, das ofertas de serviço, dos desenhos do produto e da estratégia de marketing em nível global. É na segunda década deste milênio que a utilização de robôs no setor de serviços se torna comum, um fato novo na organização econômica.

"A integração do sistema produtivo ocorre não só fisicamente, no mesmo espaço, mas também globalmente, ou seja, há uma integração dos estoques, das ofertas de serviço, dos desenhos do produto e da estratégia de marketing em nível global."

PORTAL ADVERSO - Em que aspectos esta reorganização do capitalismo já pode ser percebida?

Lúcio - A economia capitalista se reorganiza porque a tecnologia altera os processos de produção e o que nós conhecemos como emprego. No setor de serviços, o trabalho de uma máquina substitui, de forma intensa, o trabalho humano. A tecnologia também altera a lógica da propriedade, ou seja, a tecnologia aplicada de forma exponencial à atividade econômica passa a oferecer para as empresas uma capacidade de produção de lucro muito alta.

A substituição do trabalho humano significa uma redução brutal dos custos das empresas, oferecendo aos acionistas uma rentabilidade muito maior. Vou dar o exemplo de um dado que recebi outro dia, mostrando que um atendente de telemarketing custa por mês cerca de 6 a 7 mil reais. Já uma máquina, que substitui um teleatendente, custa 2,5 mil reais por mês e faz dez vezes mais teleatendimento do que uma pessoa. Então, o custo unitário dessa máquina é de 250 reais contra 7 mil reais de um trabalhador, por unidade de atendimento. É uma diferença brutal!

"A substituição do trabalho humano significa uma redução brutal dos custos das empresas, oferecendo aos acionistas uma rentabilidade muito maior."

E isso significa, para as empresas, uma ampliação fantástica da margem de lucro por unidade produtiva. O que a economia não responde é quem terá renda para comprar esse serviço, porque, em tese, se tudo puder ser feito por máquinas e as pessoas não tiverem mais salário, quem serão os consumidores? Até agora, ninguém inventou uma máquina consumidora. Então, qual é a economia e como ela vai funcionar no futuro? Na economia fordista, o empresário gerava o emprego e o salário que ia consumir o produto que ele produzia. Agora, se a produção é feita por máquinas e as pessoas estão desempregadas ou subocupadas, uma pergunta que fica é: quem serão os consumidores? E a outra: sem emprego, as pessoas viverão em que condições? Esse é o desafio que temos pela frente, porque as mudanças tecnológicas, ao afetarem o setor de serviços, estão afetando o setor responsável por 2/3 dos empregos existentes hoje.

As mudanças tecnológicas irão afetar a grande massa dos empregos e isso poderá ter efeitos extremamente perversos sobre a base do desenvolvimento econômico que conhecemos até hoje. Evidente que poderemos pensar numa sociedade organizada de outra maneira, mas ela vai precisar ser inventada, ela não é como a que nós conhecemos.

"Evidente que poderemos pensar numa sociedade organizada de outra maneira, mas ela vai precisar ser inventada, ela não é como a que nós conhecemos."

PORTAL ADVERSO - Na sua opinião, quais serão os principais impactos da 4ª revolução industrial no mundo do trabalho e na vida dos trabalhadores?

Lúcio – Primeiro, a substituição do emprego, que é um fator dramático. Segundo, a possibilidade de termos um aumento da desigualdade, ou seja, poucos trabalhadores ganhando muito, porque irão interagir e coordenar a tecnologia, enquanto uma grande massa de trabalhadores receberá salários muito baixos. E uma massa enorme de pessoas será de desempregados. Isso tudo altera, radicalmente, a formação do trabalhador. Se não existir emprego, os nossos filhos terão investimento em educação para quê? Irão se formar para fazer o quê? Depende de uma reorganização muito profunda da sociedade e é evidente que, do ponto de vista macrossocial, a ausência de renda para as famílias significa a ausência de consumo, a ausência de demanda. Neste contexto, quem serão os consumidores de empresas que produzirão com alta tecnologia se as pessoas não terão consumo? Sem renda, que é o que já acontece em algumas sociedades, a economia não cresce. Essa resposta terá que ser dada.

Eu acho que, daqui para frente, a agenda do trabalho precisa ser propositiva de uma forte e intensa redução da jornada de trabalho. O mundo se prepara para que nós trabalhemos muito menos, e isso significa reorganizar o nosso tempo livre para outras atividades: lazer, cultura, convívio familiar, investimento em formação, cuidado da família, cuidado social. Será uma sociedade organizada de maneira muito diferente daquela que existe hoje.

"O mundo se prepara para que nós trabalhemos muito menos, e isso significa reorganizar o nosso tempo livre para outras atividades: lazer, cultura, convívio familiar, investimento em formação, cuidado da família, cuidado social."

PORTAL ADVERSO - O senhor também disse que “a Reforma Trabalhista é inúmeras vezes mais importante do que a Reforma da Previdência”. Por quê?

Lúcio - Porque, fundamentalmente, a Reforma Trabalhista cria as condições legislativas, as condições legais, para que a economia promova todas essas mudanças. Ela flexibiliza os contratos de trabalho, flexibiliza o direito do trabalho e cria as condições para flexibilizar os salários. Todas essas tecnologias, que substituem o emprego, irão pressionar os trabalhadores a abrir mão de seus direitos, e a legislação criou um ambiente favorável para que isso ocorra. A Reforma Trabalhista dá às empresas respaldo legal para promover a redução de jornada de trabalho com redução de salário, redução de direitos, contratação de trabalho intermitente, jornada parcial, PJ. Ou seja, todas estas figuras que flexibilizam o trabalho humano, estão garantidas pela nova legislação ou, pelo menos, a legislação se propõe a dar essa garantia. E a resistência que pode existir por parte dos sindicatos também está sendo quebrada, pois a legislação hoje, no Brasil, visa acabar com a capacidade do sindicato de resistir contra a precarização. A legislação, nesse sentido, favorece que as tecnologias façam as mudanças no mundo do trabalho com o mínimo de resistência. Isso facilita a vida das empresas e dificulta a vida dos trabalhadores, e não está sendo feito somente no Brasil. No mundo todo, tanto a legislação quanto a proteção sindical vêm sendo fragilizadas, facilitando a introdução das mudanças que precarizam o mundo do trabalho.

Por Daiani Cerezer

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