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Sexta-feira, 29 de junho de 2018

Entrevista com Graça Costa, Secretária de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores

Graça Costa é Secretária de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Historiadora pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), pós-Graduada em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

É integrante do Comitê Mundial de Mulheres da Internacional dos Serviços Públicos (ISP), organizada em 153 países, e ex-presidente da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT), entidade que representa mais de cinco milhões de servidores municipais em todo o Brasil.

 

PORTAL ADVERSO - Quando iniciou e quais são as principais características da 4ª Revolução Industrial?

Graça Costa - Antes de mais nada, é preciso especificar melhor o que está sendo chamado de 4ª Revolução Industrial, porque o termo está se popularizando e as pessoas estão usando indiscriminadamente, inclusive quando se trata de temas relacionados às relações de trabalho. A indústria 4.0 não é, simplesmente, a indústria que se organiza a partir de qualquer inovação tecnológica, mas de tecnologia altamente avançada.

O termo começou a ser usado na Alemanha em 2013 e, basicamente, diz respeito à indústria que se utiliza da análise de bancos de dados gigantes, biotecnologia e complexos algoritmos, que cruzam as informações e permitem uma comunicação entre máquinas. Com isso, é possível organizar parte da produção sem o trabalho humano. É importante dizer que esse movimento envolve investimento pesado em pesquisa acadêmica junto com o setor privado e os governos de países desenvolvidos.

PORTAL ADVERSO - Em que aspectos a reorganização da sociedade e do mundo do trabalho já pode ser percebida?

Graça - Na verdade, os impactos ainda não são percebidos em grande escala. O que está promovendo uma reorganização maior do trabalho, neste momento, são as novas tecnologias relacionadas a aplicativos, como o Uber. Elas estão precarizando e eliminando a relação de emprego numa velocidade assustadora. Esta tendência avança em todo o mundo, graças às políticas neoliberais que destroem o emprego protegido.

"Esta tendência avança em todo o mundo, graças às políticas neoliberais que destroem o emprego protegido."

Não acredito que os impactos da 4ª Revolução Industrial serão percebidos igualmente nos diferentes países em curto espaço de tempo. Sua implantação exige altos investimentos num mundo empobrecido, com governos descapitalizados e alta concentração de renda. Hoje, temos que lidar com o trabalho escravo e a inteligência artificial ao mesmo tempo. A grande massa de capital, no mundo, está concentrada em poucas mãos. Outro entrave é a falta de mão de obra altamente especializada. Por fim, será necessária a implantação de uma grande infraestrutura, que ainda não existe, principalmente, nos países subdesenvolvidos.

No caso do Brasil, não existe vontade política, envolvimento concreto do Estado e investimento público para promover desenvolvimento tecnológico como em outros países. A consequência é que, se em alguns lugares esse processo pode andar mais rápido com participação do Estado, aqui, certamente, será mais lento.

"No caso do Brasil, não existe vontade política, envolvimento concreto do Estado e investimento público para promover desenvolvimento tecnológico como em outros países."

PORTAL ADVERSO - Quais serão os principais impactos da 4ª revolução industrial na vida dos trabalhadores?

Graça - No longo prazo, se esses obstáculos forem superados e o processo de robotização avançar em larga escala, teremos desemprego em massa.

PORTAL ADVERSO - Hoje, o capital é o grande beneficiário desta nova revolução. Você acredita que existe um território em disputa, ou seja, que a sociedade também poderá colher os frutos do avanço tecnológico?

Graça - Esse é nosso maior desafio. Se os trabalhadores e as trabalhadoras não se organizarem para lutar por uma distribuição justa da riqueza, que tenderá a ser ainda mais concentrada, não nos beneficiaremos desses avanços tecnológicos. Infelizmente, vivemos um momento de desorganização sindical. Essa é uma das principais investidas das políticas neoliberais, basta lembrar o ataque truculento do governo Thatcher aos sindicatos na década de 80. Isso se explica porque, na lógica de desmonte do Estado de bem-estar social e de redução dos direitos trabalhistas, é fundamental tirar a força dos sindicatos para reduzir a resistência da classe trabalhadora. De lá para cá, e especialmente com a crise de 2008, os sindicatos vêm sofrendo uma forte ofensiva. Com as novas formas de organização do trabalho, eles passam, também, por uma crise de representação. Diante de tudo isso, enfrentamos um enfraquecimento regional e internacional, enquanto o capital elimina fronteiras e se organiza internacionalmente.

Podemos utilizar as novas tecnologias para dialogar com os trabalhadores. A dinâmica de concentração num único local de trabalho está diminuindo com a uberização e o home office, por exemplo. As expectativas, a forma de ver o mundo e de se relacionar sob a influência das redes sociais e da velocidade da informação, especialmente entre a juventude, estão mudando. O perfil da classe trabalhadora mudou. Por isso, é preciso encontrar uma nova linguagem e uma nova estratégia de abordagem, para restabelecer o diálogo e avançar na organização da classe. Aqui, podem entrar as novas formas de comunicação.

"... é preciso encontrar uma nova linguagem e uma nova estratégia de abordagem, para restabelecer o diálogo e avançar na organização da classe. Aqui, podem entrar as novas formas de comunicação."

PORTAL ADVERSO - Qual é, na sua opinião, o futuro do emprego?

Graça - Caso o neoliberalismo continue a determinar as regras do jogo, a tendência é que o emprego seja cada vez menos protegido e mais precário. A flexibilização avança em todo o mundo. De um lado, teremos um pequeno grupo de trabalhadores especializados com altos salários e, do outro, uma massa precarizada, vivendo em condições desumanas, sem acesso à moradia digna, saúde, educação, cultura e aposentadoria. A história já provou que o capitalismo é predatório.

No Brasil, a situação é ainda mais grave em consequência da crise política, econômica e social. O desemprego, a informalidade e o emprego precário aumentaram rapidamente e a renda caiu. Não temos como saber quais postos foram eliminados pela reestruturação do trabalho ou pela crise no País, e quais poderão ser recuperados. É difícil prever neste momento.

PORTAL ADVERSO - A Reforma Trabalhista tem relação com a 4ª Revolução Industrial? 

Graça - Acredito que não são consequência direta uma da outra. Na verdade, elas se complementam. A reforma trabalhista tem o objetivo de flexibilizar ao máximo a legislação trabalhista, para reduzir o custo do trabalho e aumentar o ganho dos empregadores, favorecendo o pequeno, o grande e o médio empresário. O objetivo não é eliminar os postos, mas reduzir seu custo.

A 4ª Revolução Industrial promoverá uma altíssima especialização e eliminará a necessidade das atividades de baixa especialização. Apenas as grandes corporações terão acesso a essa tecnologia, e a concentração de poder e de riqueza será ainda maior. Esse movimento é orquestrado pelo grande capital, que, hoje, tem o controle do investimento em novas tecnologias e do Estado na defesa dos seus interesses. São eles que impõem reformas trabalhistas para reduzir os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo.

"Esse movimento é orquestrado pelo grande capital, que, hoje, tem o controle do investimento em novas tecnologias e do Estado na defesa dos seus interesses. 

PORTAL ADVERSO - A renda mínima pode ser uma política de compensação para a parcela mais pobre da população, que tende a ser excluída do mundo do trabalho?

Graça - Essa é uma discussão que já começou pelos grandes, pelos países desenvolvidos e pela plutocracia. Neste ano, o próprio Fórum Econômico de Davos pautou esse assunto e existem experiências que já estão sendo implantadas em alguns dos países capitalistas mais ricos do mundo, como a Finlândia, a Holanda e o Canadá.

Esse assunto surge, porque os próprios capitalistas já perceberam que a tendência atual de concentração de riqueza em prejuízo de uma população mundial miserável é suicida, afinal, como vai ser possível girar a economia se a maioria da população não participar dela, não tiver acesso ao consumo?

"Esse assunto surge, porque os próprios capitalistas já perceberam que a tendência atual de concentração de riqueza em prejuízo de uma população mundial miserável é suicida, afinal, como vai ser possível girar a economia se a maioria da população não participar dela, não tiver acesso ao consumo?"

Se, por um lado, um programa de renda mínima pode ser condição para sobrevivência do próprio capitalismo, por outro, é preciso garantir as condições mínimas necessárias para que o povo possa resistir e lutar por autonomia. É preciso criar mecanismos para fazer uma redistribuição de renda. Porém, uma renda mínima miserável sem acesso ao trabalho e à participação na construção da sociedade pode acabar com a dignidade das pessoas. A forma mais eficiente de distribuição da renda é a geração de trabalho protegido, a implantação de uma tributação progressiva, a garantia de políticas públicas de saúde e educação gratuitas e universais, e de serviços públicos de qualidade. Há riqueza suficiente no mundo para isso.

A discussão é complexa e precisamos nos aprofundar nela. As lideranças de esquerda, em todo o mundo, têm responsabilidade com esse processo. É preciso despertar a consciência de classe entre os trabalhadores, resistir e fazer a disputa política. Não podemos esquecer que somos a grande maioria, 99% contra 1%.

" É preciso despertar a consciência de classe entre os trabalhadores, resistir e fazer a disputa política. Não podemos esquecer que somos a grande maioria, 99% contra 1%."

PORTAL ADVERSO - No século 20, a luta pela redução da jornada foi uma resposta dos trabalhadores ao avanço tecnológico. A senhora acredita que esta bandeira poderá ser, novamente, empunhada pelo movimento sindical?

Graça - Esta deve ser uma das principais reivindicações dos trabalhadores. Se há aumento da produtividade e maior geração de riqueza com menos participação humana, é fundamental para a organização social que se reduza a jornada. Neste cenário, haveria também condições de garantir novas formas de trabalho, voltadas para a humanização da sociedade, para o aumento da cidadania, não apenas para a produção. Seria uma sociedade onde as pessoas trabalhariam menos, onde as máquinas fariam boa parte das atividades voltadas para a produção, abrindo espaço para áreas como educação, cultura, artes e saúde, um mundo onde o trabalho seria criativo, protegido e gratificante. Pode parecer um sonho, mas nosso horizonte é o socialismo.

"Neste cenário, haveria também condições de garantir novas formas de trabalho, voltadas para a humanização da sociedade, para o aumento da cidadania, não apenas para a produção."

Por Daiani Cerezer

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