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Segunda-feira, 06 de agosto de 2018

Israel Baumvol é professor emérito do Instituto de Física da UFRGS

Entrevista com Israel Baumvol, professor emérito do Instituto de Física da UFRGS e pesquisador emérito do PNPq. Dedicado ao estudo da História da Tecnologia, ele destaca contextos diferentes para, a partir dos extremos, explicar os impactos da 4ª Revolução Industrial na educação.

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PORTAL ADVERSO - Que impacto a 4ª Revolução Industrial terá sobre a educação?

Israel Baumvol - Creio que o impacto será diferente para diferentes contextos. Consideremos os extremos, como uma maneira de caracterizar bem o problema. Sobre a educação na África Equatorial, na Guatemala e no Mianmar, o impacto será nulo, pois estes países ainda estão principalmente na 2ª e 3ª revoluções industriais. Eles não têm condições de contribuir para o ensino, desenvolvimento e utilização de computação quântica, robótica, nanotecnologia e assim por diante. Não deverão utilizar os potenciais das novas tecnologias para ensinar trinta ou quarenta crianças debaixo de uma árvore, com um temor permanente de serem agredidas. No outro extremo, temos Alemanha, Japão, Israel e os Estados Unidos com o ubíquo Vale do Silício. Nestes países, o impacto será enorme. Já existe neles um apreciável número de exemplos de completas revoluções no ensino, oferecendo a experimentação como base do ensino de ciências, programas interativos que estimulam e ensinam a pensar logicamente, ensino teórico e prático de robótica, de drones, e tudo mais que a imaginação possa produzir. Já existem, e aumentarão enormemente, fileiras acadêmicas inovadoras, tais como engenharia biomédica, integralidade do ensino em inglês, computação quântica e muitas outras.

No Brasil, confirmando o apelido de Belíndia, que nos deu Edmar Bacha (atualmente, segundo ele próprio, Belnímia, ou seja, Bélgica + Namíbia), nas favelas de todo o País, a disciplina mais importante continuará sendo defender-se das balas “perdidas”, que são disparadas diariamente, enquanto que nas escolas de elite de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, provavelmente, haverá iniciativas que tangenciarão a 4ª revolução industrial.

"...nas favelas de todo o País, a disciplina mais importante continuará sendo defender-se das balas 'perdidas', que são disparadas diariamente..."

PORTAL ADVERSO - É possível prever como será a universidade de um futuro, que, tudo indica, está próximo?

Israel - Volto a bater na mesma tecla, que Universidade? Na USP, com o suporte firme e contínuo da FAPESP, certamente, disciplinas que já estão sendo largamente cultivadas, como nanotecnologia, robótica cirúrgica, genética com computação quântica e outras, continuarão sendo. Assim também, o firme e decidido apoio da FAPESP na criação de novas microempresas de base tecnológica, continuará dando seus frutos. No outro extremo, estão as novas universidades públicas criadas nos últimos dez anos, mal instaladas, sem recursos, e lutando para não submergir. Ou, nas universidades privadas, que recebem a maior parte dos alunos à noite, depois de um exaustivo dia de trabalho, não deverá haver um avanço significativo. Ou seja, também na academia o apelido de Belíndia nos cabe perfeitamente.

PORTAL ADVERSO - O que vai mudar na atividade docente? Os docentes estão preparados para formar profissionais para este novo mundo?

Israel - Para não me tornar enfadonho, vou me referir somente às universidades com condições razoáveis de trabalho. O que já mudou, a meu ver, é aquela parte do trabalho docente que consiste em informar. Por exemplo, definição de deslocamento, tempo, velocidade. Isto pode e deve ser oferecido aos alunos por um robot, o qual conduzirá também os ensaios que deixarão claro os conceitos e as unidades de medida. E o robot faz isto muitíssimo melhor do que um professor. Ao professor, eventualmente, caberá o trabalho de uma discussão crítica do assunto, de oferecer novos elementos e questões que farão o aluno avançar.

Digo eventualmente, porque já há quinze anos atrás, na França, participei, como observador, da condução de um curso de introdução à eletrônica, baseado no kit de ensino do exército israelense, que era comercializado por uma start-up. O kit consistia de um conjunto de equipamentos que formavam a bancada e um programa proprietário, que conduzia o aluno da lei de Ohm até construir uma calculadora com interfaces diversas. A função do professor era responder perguntas e dificuldades dos alunos. Quase morremos de tédio, eu e o professor, pois os alunos raramente perguntavam algo. O kit era maravilhoso, dinâmico, interativo. Os alunos progrediam no seu ritmo. Este é o futuro.

PORTAL ADVERSO - Qual o destino dos profissionais que sairão das universidades?

Israel - Esta questão tem sido claramente respondida por estudos, teses e dados da FGV e do IPEA. Nestes estudos foi mostrado que o PIB por trabalhador do Brasil cresceu monotonamente desde a independência até o fim da década de 1970. Daí para frente, nos últimos quarenta anos, nosso PIB por trabalhador decresce monotonamente. O PIB por trabalhador é um dos mais importantes indicadores usados para determinar a produtividade de uma pessoa, de uma família, de uma empresa ou de um país. O que aconteceu ao redor de 1980? A revolução informática, ou o início da Era do Silício. A automação, a miniaturização, a revolução na tecnologia de exames médicos e intervenções, baseadas em técnicas minimamente invasivas, a informatização plena da produção industrial, agrícola e comercial.  A produtividade dependendo cada vez mais dos cérebros e menos dos braços. Em que países o PIB por trabalhador cresceu? Alguns óbvios, como Alemanha, Estados Unidos, Japão, França, e outros bem menos óbvios, como Coréia, Dinamarca, Finlândia, Índia, Noruega e China. Estes últimos compreenderam que havia uma revolução em marcha e fizeram esforços imensos para ingressar nela. Fizeram sacrifícios imensos para educar em todos os níveis, formando os recursos humanos necessários para ingressar no clube dos revolucionários. E o Brasil, o que fez? Muito pouco, considerando o porte do país. A educação continuou patinando em todos os níveis. Desprovido de uma política industrial (nunca tivemos uma), nosso país não atentou, a não ser muito tardiamente, para a revolução informática. O resultado no PIB por trabalhador não tardou a se manifestar. O resto se impõe. Artes, filosofia, teatro, poesia, florescem aonde há florescimento econômico.

As universidades e as escolas técnicas devem formar um contínuo educacional de formação para a 4ª Revolução que está aí. Vai ser necessário fazer sacrifícios. Se não o fizermos, a produtividade ficará ainda menor e seremos cada vez mais pobres. A Bélgica cada vez mais distante da Índia (ou da Namíbia, como quer o Bacha agora).

PORTAL ADVERSO - A Universidade Pública brasileira, que vem sendo submetida a políticas de forte contingenciamento e desmonte, conseguirá enfrentar os desafios de uma realidade que, segundo especialistas, é diferente de tudo que o ser humano já presenciou?

Israel - Eu não sei. O que vejo na universidade é uma apatia imensa na maioria das pessoas. Parece que o sumiço do financiamento retirou o ânimo de todos. Ora, já tivemos épocas de menos dinheiro do que agora. O mundo continuou girando. O dinheiro voltará. O que não estou seguro que voltará, ou melhor, que aparecerá, é a compreensão de que há uma revolução a nossa porta. O trem vai passar em breve. Se não pularmos para dentro, perderemos mais este. Produtividade, ou PIB por trabalhador, alta é o caminho da prosperidade. Nós queremos, entre muitas outras coisas, um país mais próspero. Prosperidade não resolve todos os problemas, não é receita mágica. Porém, sem prosperidade é muito mais difícil abordar as questões cruciais da sociedade, ou seja, educação, saúde, segurança, esperança. Isto é verdade para todos, para o Brasil, para a Coreia do Norte, para Cuba, para a Suíça, para a Noruega e para todos os outros.

"O que vejo na universidade é uma apatia imensa na maioria das pessoas. Parece que o sumiço do financiamento retirou o ânimo de todos."

Por Daiani Cerezer

Foto: Flávio Dutra/UFRGS - Arquivo

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