por Andressa Pellanda

Coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Terça-feira, 02 de outubro de 2018

Derrubando mitos e trazendo agendas para o financiamento adequado da educação de qualidade no País

Por  Andressa Pellanda 

O Brasil demorou centenas de anos para formular uma legislação que não somente permitisse como também tornasse obrigatória a Educação Básica a todas/os residentes em território nacional – o que inclui imigrantes. A Constituição Federal de 1988 foi emendada, em 2009, tornando o ensino obrigatório dos 4 aos 17 anos. Até hoje, a universalização da Educação Básica ainda é um desafio. Além das 2,5 milhões de crianças e adolescentes fora da escola (Pnad/IBGE), ainda há taxas preocupantes de distorção idade-série – também muito ligadas a casos de exclusão escolar no histórico das crianças e adolescentes nesse grupo -, e de adultos que não puderam cursar as etapas da educação na “idade certa” e, muitas vezes, não têm acesso a vagas na Educação de Jovens e Adultos. Três em cada dez habitantes – 38 milhões de pessoas – entre 15 e 64 anos ainda são analfabetas/os funcionais no Brasil, de acordo com dados do Inaf 2018.

Esse cenário não é o único preocupante. As crianças e adolescentes que estão inseridas na escola muitas vezes não têm acesso a uma educação de qualidade. Docentes são mal remunerados – quase metade das redes de ensino não cumpre o Piso do Magistério -, muitas escolas não dispõem de profissionais bem formados e valorizados adequadamente, não há material suficiente e há casos em que nem a estrutura do prédio escolar é garantida. Há escolas indígenas, por exemplo, que só existem porque seus professores cedem espaço da própria casa para tal.

Diante desses diagnósticos, que se repetem a cada Censo Escolar, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação se fez uma pergunta: como incluir todas as crianças e adolescentes do país em escolas de qualidade? Após muitos estudos, consultas públicas, debates com comunidades acadêmicas e escolares, conselheiras/os, gestoras/os e movimentos sociais, chegamos a uma proposta: Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno-Qualidade (CAQ).

O CAQi/CAQ calcula quanto custa por ano, por etapa e modalidade da educação básica, para se garantir insumos de qualidade em toda escola do país. Esses insumos vão desde a infraestrutura dos prédios, todos inclusivos, passando pelos materiais permanentes, até a garantia de condições de trabalho, formação e valorização das/os profissionais da educação. O CAQi é o padrão mínimo e o CAQ, o que se aproxima mais dos países mais desenvolvidos em termos educacionais.

Após muita incidência política, conseguimos que o CAQi/CAQ fosse nossa referência em lei definição dos insumos de qualidade e para calcular quanto precisamos investir. O Plano Nacional de Educação (PNE) prevê o aumento progressivo do investimento para a área até 2024 até atingir o patamar de 10% do PIB, usando como base de cálculo justamente o CAQi/CAQ. Essa previsão garante a criação de vagas para todas as crianças e adolescentes em exclusão escolar e que todas as escolas do país possam ser adequadas a esse padrão de qualidade.

Quando comparamos o CAQi/CAQ com os valores pagos em média nas escolas particulares do país, o resultado é que o CAQi/CAQ custa cerca de duas a três vezes menos. Ou seja, gastamos menos pela mesma ou até por melhor qualidade. Esse é o primeiro mito a ser derrubado: privatizar não é mais eficiente.

Hoje investimos de 3 a 5 vezes menos do que o previsto pelo CAQi. Para implementá-lo, precisamos investir cerca de R$ 55 bilhões a mais por ano. Diante do orçamento público de 2018, de R$ 3,57 trilhões, a questão definitivamente não é de falta de recursos. Esse é o segundo mito a ser derrubado: há recurso público para ser investido em educação pública, o que não há é prioridade política e alocativa.

Mas, então, por que ele ainda não foi implementado? Além da crise e dos processos de escanteio do PNE, que chega a seu quarto ano com nenhuma de suas metas e estratégias previstas até 2018 cumprida integralmente, foi aprovada, em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos nas áreas sociais até 2036.

Além de prever a diminuição de recursos totais para a área (conforme o gráfico abaixo), a EC 95 inviabiliza a execução do Plano Nacional de Educação 2014-2024 e, muito provavelmente, também do seu sucessor, que deve ter vigência entre 2024 e 2034. É um decreto não somente de estagnação, mas de deterioração profunda de nossa educação pública.

Não bastasse isso, a EC 95 tem pressionado para que outras políticas permanentes e fora do Teto de Gastos se adequem aos cortes. A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018 previa um aumento de R$ 1,5 bilhões ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Apesar de aquém do necessário, seria um avanço em meio à aridez dos retrocessos. Essa rubrica, no entanto, foi a única vetada por Temer em todo o orçamento.

Fundeb vigente vence em 2019. A partir de 2020, deverá vigorar um Fundo permanente para a educação básica, proposto nas Emendas à Constituição (PEC) 15/2015, da Câmara dos Deputados, e 24/2017, do Senado Federal, ambas as propostas tramitam hoje com a inclusão do CAQi/CAQ em seus textos. Nossa principal luta, agora, é que a complementação da União ao Fundo possa ser aprovada em um patamar mínimo de 50%, necessário para a implementação do CAQi/CAQ.

Cada passo dado em políticas educacionais pode representar um imenso avanço ou um retrocesso profundo. Nossos governantes precisam entender que com o orçamento dedicado às áreas sociais – especialmente à educação, primeiro direito social listado pela Constituição Federal – não se brinca. É inaceitável que ele seja deixado à mercê de interesses escusos. Cada corte impacta milhões de pessoas, que dependem do bom funcionamento dos serviços públicos para sua formação cidadã, para sua formação para o trabalho, para suas vidas.

Nessa eleição, precisamos votar em candidatas/os que compreendam a importância basilar do financiamento e do Plano Nacional de Educação para que possamos avançar para a educação de qualidade para todas e todos. Sem educação, não se sustenta uma nação. E o financiamento da educação é o principal indicador para sabermos se as candidaturas de fato levam essa sentença como máxima, ou não.

 

Andressa Pellanda é coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. É pós-graduada em ciência política (FESP/SP), é bacharel em comunicação social, com habilitação em jornalismo (ECA/USP) e é especialista em negociação diplomática (Fundação Diplo/Suíça). Pesquisa advocacy e políticas educacionais, especialmente as temáticas educação política, qualidade, financiamento e mecanismos de privatização da educação. Atua também como educadora popular, no Cursinho Construção, em São Paulo.

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