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Terça-feira, 28 de maio de 2019

Presidente da Associação Mães&Pais pela Democracia, Aline Kerber, falou sobre a liberdade para ensinar e aprender para o Portal Adverso.

Por: Daiani Cerezer

Em entrevista ao Portal Adverso, Aline Kerber, presidente da Associação Mães&Pais pela Democracia, falou sobre a liberdade para ensinar e aprender. Ela é uma das painelistas do Seminário Presente e Futuro das Universidades e Institutos Federais, organizado pelo PROIFES-Federação e ADUFRGS-Sindical.

PORTAL ADVERSO - A Associação Mães&Pais pela Democracia foi criada com o objetivo de defender a livre expressão, a liberdade de cátedra e a pluralidade de ideias nas escolas. Porém, o tema da democracia hoje, extrapola as salas de aula. Como vocês avaliam episódios como o ocorrido esta semana na Comissão de Educação na Câmara dos Deputados, que culminou com a agressão aos presidentes da UBES e da UNE?

ALINE - É a expressão da fala do presidente logo após as manifestações do dia 15 de maio. Ele chamou os jovens de “imbecis úteis” e de “massa de manobra”. É essa ideologia que domina os discursos e as representações que estão nas salas de aula com censura direta e indireta, nas redes sociais e nas salas de jantar familiares.

Por que “dariam voz” para os representantes da UBES e UNE? Medo da vergonha que o ministro passaria e o próprio governo ao verem que os jovens têm voz, pensam e sabem muito bem o que querem? Não segurarão a Mariana, presidente da UNE, nem rasgando a sua roupa e com violência, como fizeram. Os e as jovens foram protagonistas do dia 15 e alvos dos ataques, como os professores, e são eles que irão virar este jogo. Todos sabem disso. Estão tentando emparedá-los, mas não conseguirão. Isso porque muitos novos movimentos sociais passaram a se organizar, como o Mães&Pais pela Democracia, Juízes pela Democracia, Professores pela Democracia etc. Dia 30, eles estão chamando novo ato e nós estaremos lá para apoiá-los, pois precisamos garantir o direito à educação deles e dos que virão, além de uma aposentadoria digna e com equidade para todos. Não tem negociação. Queremos juntos mais educação, mais liberdade, mais democracia e não vamos aceitar os cortes de direitos impostos de cima para baixo. Queremos mais emprego e oportunidades para os jovens. O dia 26 mostrou que nada supera a força dos jovens nas ruas. Vimos, nesse dia, só uma elite despolitizada, os Bolsocrentes, nas ruas, pedindo até o fim da aposentadoria, fazendo foto debochada com morador de rua, pedindo o fim do STF e do Congresso. Não sabem nada de democracia e de direitos. Tinha manifestante agredindo a Universidade, retirando uma faixa “em defesa da educação” na UFPR. Até quando teremos que conviver com este absurdo escancarado do Governo e seus defensores, que querem garantir privilégios para poucos, a custo de “negociar” os direitos dos jovens com violência, para favorecer o mercado e interesses privados? Dia 30 será decisivo!

PORTAL ADVERSO - Das estratégias adotadas pela Associação, quais se mostram mais eficientes na sensibilização da comunidade escolar e da sociedade contra a censura nas escolas? E o discurso, qual argumento sensibiliza mais?

Temos atuado em várias frentes. Os nossos diálogos com as direções das escolas, seja para apresentar a Associação seja para cobrar liberdade de expressão, têm funcionado, embora haja um enorme esforço de persuasão e articulação. A nossa Comissão Jurídica e a Diretoria têm empreendido um trabalho importante de advocacy junto aos formadores de opinião e tomadores de decisão. Já obtivemos retornos importantes extrajudiciais em relação às fake news nas redes sociais, ingressamos com ações criminais e apoiamos casos criminais de racismo, homofobia na escola e de comemoração do golpe militar de servidora pública - com apoio do MPF - que terão grande repercussão ainda este ano. Nossos Cafés Democráticos, agora em parceria com a FACED/UFRGS, através do Curso de Extensão Itinerante Educação Democrática, e o Festival da Democracia e da Liberdade, com mais de 1,5 mil participantes, em pouco mais de três meses, têm ampliado o perfil do público que nos acompanha e feito com que “furemos bolhas”, ampliando a nossa interface com vários grupos da sociedade, defensores da democracia e da liberdade, sem a lógica binária esquerda X direita. Acho que a maior parte dos nossos associados e simpatizantes querem construir proposições, inicialmente, sem a pecha político-partidária dada, assim nascemos, pensando em políticas públicas que garantam a segurança do direito à educação plural. Todavia, dialogamos e vivemos a tensão da política desde a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Assembleia Legislativa do RS, e achamos importante debater e construir os projetos com os legisladores e na arena de decisão. Queremos nos aproximar cada vez mais do Executivo, dos sindicatos, das organizações de estudantes, associações e das escolas. Também fizemos pesquisas importantes com os professores, como a de opinião sobre o Escola Sem Partido, e mapeamos o perfil dos candidatos ao Conselho Tutelar de Porto Alegre. A estratégia do próximo semestre estará focada em advocacy, produção de evidências e comunicação, e no Fórum contra a Intolerância do MPF, com a campanha dos cartazes nas escolas públicas e privadas sobre as diretrizes legais e constitucionais sobre educação. Acho que vamos contribuir muito com o clima escolar, com essa medida dos cartazes, e ampliar o nosso diálogo com a sociedade e comunidade escolar.

"A estratégia do próximo semestre estará focada em advocacy, produção de evidências e comunicação, e no Fórum contra a Intolerância do MPF, com a campanha dos cartazes nas escolas públicas e privadas sobre as diretrizes legais e constitucionais sobre educação. Acho que vamos contribuir muito com o clima escolar, com essa medida dos cartazes, e ampliar o nosso diálogo com a sociedade e comunidade escolar."

PORTAL ADVERSO - O texto do Projeto de Lei 246, protocolado no início deste ano legislativo pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), prevê, entre outras coisas, a possibilidade do estudante gravar as aulas e regular as atividades de grêmios estudantis. Existe espaço para resistência no Parlamento? A Associação tem alguma linha de intervenção na Câmara e no Senado?

Existe espaço de resistência sim e já há um parecer importante de inconstitucionalidade, do STF, em 2017, com relação ao “Escola Sem Partido”. O Governo já foi derrotado em várias frentes no Congresso, como a questão do COAF, da lei de acesso à informação, entre outras. E o presidente tem mostrado a sua derrota com as agressões que tem feito aos parlamentares e com a falta de apoio às questões da flexibilização de porte e posse de armas, sobretudo da parte dos evangélicos. Eles estão perdendo boa parte da base, o tiro está saindo pela culatra. Temos um Congresso que pode surpreender positivamente e barrar projetos esdrúxulos com este PL 246, chamado de “Escola Sem Partido 2.0”. Estamos construindo a nossa linha de intervenção na Câmara e no Senado neste momento. Estaremos lá nas audiências e votações e vamos articular com todos os parlamentares a partir da Comissão de Educação da Câmara Federal.

"O Governo já foi derrotado em várias frentes no Congresso, como a questão do COAF, da lei de acesso à informação, entre outras. E o presidente tem mostrado a sua derrota com as agressões que tem feito aos parlamentares e com a falta de apoio às questões da flexibilização de porte e posse de armas, sobretudo da parte dos evangélicos." 

PORTAL ADVERSO - Nos sete meses de existência da Associação, o que mudou no Brasil com relação à pauta defendida pelas Mães&Pais pela Democracia?

Tivemos uma pauta muito negativa em todos os níveis de governo, sobretudo federal, e muitos recuos: a carta do ministro da Educação, já trocado, mandando as escolas gravarem (e enviarem ao MEC) os nossos filhos cantando o hino e lendo o slogan de campanha do presidente eleito, tivemos o massacre de Suzano, o aumento dos feminicídios no Brasil, escolas violentadas, como a Monte Cristo, em Porto Alegre, sobretudo violência contra professoras e alunas, a defesa e comemoração do golpe de 64 a partir do presidente, a aprovação da flexibilização de posse e porte de armas no Brasil, os cortes na educação básica, universidades e institutos federais. Quer dizer: foram cinco meses de mais armas, mais violência e menos educação. Essa é a pauta que está nas ruas e que mobiliza os nossos jovens. E a esperança tem vindo dos jovens nas ruas, que presenciamos no 15M e vamos ver aumentar nesta quinta, dia 30 de maio, e no dia 14 de junho, com a greve geral. Bolsonaro se enfraqueceu, mas as suas ideias seguem vivas numa extrema direita que dissemina ódio, discriminação, violência, mentiras e fake news a todo instante. Vamos ter que aprender a construir novos diálogos, fazer mais e mais política e reduzir estes extremismos que só matam com bala e com emparedamento do gesto e da palavra. Não podemos deixar passar o Escola Sem Partido 2.0, o “embrulho anticrime do Moro” e a reforma da Previdência. Tudo o que ameaça o direito à educação hoje. Temos que enxergar o pacote todo e o entrelaçamento de políticas de redução do Estado e criminalização de movimentos, da participação, dos jovens, da pobreza, dos negros, das mulheres e da população LGBT, a principal pauta defendida pelo Bolsonaro.

"E a esperança tem vindo dos jovens nas ruas, que presenciamos no 15M e vamos ver aumentar nesta quinta, dia 30 de maio, e no dia 14 de junho, com a greve geral. Bolsonaro se enfraqueceu, mas as suas ideias seguem vivas numa extrema direita que dissemina ódio, discriminação, violência, mentiras e fake news a todo instante. Vamos ter que aprender a construir novos diálogos, fazer mais e mais política e reduzir estes extremismos que só matam com bala e com emparedamento do gesto e da palavra."

PORTAL ADVERSO - Qual é a mensagem essencial que vocês buscam transmitir para outras mães e pais que ainda não estão engajados na luta pela democracia nas escolas?

Acreditamos que não se constrói uma democracia plena sem a educação, porque a ausência da educação, assim como a desinformação e o desconhecimento, favorece a ascensão de tiranos. Com essa filosofia, e na defesa da inclusão, livre expressão, liberdade de cátedra e pluralidade de ideias nas escolas, surge a Associação Mães&Pais pela Democracia, integrada por famílias engajadas na defesa dos direitos, da democracia e da liberdade.

A Constituição de 1988 defende as liberdades desde a escola, reconhecendo o pluralismo pedagógico e o respeito à diversidade de opiniões. Violar tais direitos é um ato inconstitucional. Nós somos um grupo suprapartidário, prezamos o respeito a todas as formas de expressão e ideologias, desde que identificadas com valores democráticos, sem a agressão moral a minorias ou a violação de direitos humanos e das regras institucionais. Por isso, Mães&Pais pela Democracia contesta qualquer projeto de lei que tenha por objetivo calar educadores, professores e estudantes.

A Associação reconhece, ainda, que o Brasil é um país no qual prevalecem práticas racistas, machistas, lgbtfóbicas e discriminatórias, que devem ser combatidas. E a sala de aula é um espaço privilegiado de formação para a cidadania, promoção dos valores plurais e contraponto a todas as formas de preconceito. Só assim vamos reverter as nossas desigualdades e violências para vivermos em um Estado de Bem Estar Social.

"A Associação reconhece, ainda, que o Brasil é um país no qual prevalecem práticas racistas, machistas, lgbtfóbicas e discriminatórias, que devem ser combatidas. E a sala de aula é um espaço privilegiado de formação para a cidadania, promoção dos valores plurais e contraponto a todas as formas de preconceito."