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Terça-feira, 23 de abril de 2019

Thaisa Bergmann é chefe do grupo de pesquisa do Departamento de Astronomia da UFRGS.

Sul21

No último dia 10 de abril, um grupo de mais de 200 pesquisadores do projeto Event Horizon Telescope (EHT), que reúne uma rede de radiotelescópios espalhados ao redor do mundo, e a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos divulgaram a primeira imagem já registrada de um buraco negro. A captação está sendo considerada um marco na física e, para a astrofísica gaúcha Thaisa Storchi Bergmann, que dedica sua carreira ao estudo de buracos negros supermassivos presentes no centro das galáxias, o acontecimento representa muitos avanços para o futuro da ciência. Thaisa vê o registro como um coroamento do trabalho de todos os cientistas que pesquisam ou já pesquisaram o tema.

Aos 63 anos, ela é considerada uma das cientistas brasileiras de maior reconhecimento internacional. Atualmente, é chefe do grupo de pesquisa do Departamento de Astronomia  da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), participa do observatório Alma Atacama Milimétrica Way, no Chile, e também de diversos projetos internacionais. Há alguns anos a astrofísica deixou de dar aulas na UFRGS, mas continua na área da pesquisa científica dentro da Universidade. “Eu amo fazer pesquisa e não quero largar”, diz Thaisa em entrevista ao Sul21.

A história da pesquisadora com essa área da ciência teve início em 1974, quando ela, que é natural de Caxias do Sul, começou a cursar Física na UFRGS. Thaisa conta que gostava de ciência desde pequena, mas na época não tinha ideia de se tornar astrofísica. Ao longo da formação, se aproximou da astronomia. Porém, os buracos negros, ou seja, uma região do espaço com enorme quantidade de massa concentrada e com um campo gravitacional que atrai tudo que passa por ele, como estrelas ou fótons, só viraram seu foco de estudo durante o Doutorado. “A professora que era minha orientadora tinha muito interesse nas galáxias ativas. Naquela época, a gente achava que as ativas eram aquelas que tem um buraco negro no centro. Hoje em dia, à medida que se desenvolveu a minha carreira e que eu também contribuí para mudança de conceito, se chegou à conclusão de que os buraco negros estão na maioria das galáxias em seus centros, inclusive na nossa galáxia, a Via Láctea”, conta.

A contribuição para a mudança de conceito que Thaisa se refere diz respeito ao estudo que desenvolveu durante o seu pós-doutorado, realizado em Maryland, publicado em 1993. A pesquisa, que é a mais famosa e citada da astrofísica, comprovou a presença de um buraco negro supermassivo dentro da galáxia NGC 1097, que está a aproximadamente 50 milhões de anos-luz de distância. Thaisa observou, por meio da técnica de espectroscopia, a assinatura de um gás que estava girando há 10 mil quilômetros por segundo. De acordo com ela, essa velocidade tão alta só poderia ser em torno de um objeto muito massivo. “Com o telescópio de 4 metros eu não tinha condições de visualizar a estrutura do gás que estava sendo observado, mas eu tinha a assinatura cinemática de que dentro daquela região compacta tinha gás girando a uma altíssima velocidade”, explica. Segundo ela, ao realizar a conta para descobrir a massa que o objeto precisava ter para manter a velocidade que estava, descobriram que se tratava de um buraco negro supermassivo, que tinha 100 milhões de vezes a massa do sol.

O buraco negro captado pela equipe do EHT também encontra-se a cerca de 50 milhões de anos-luz da Terra, no centro da galáxia M87. Dentre as repercussões geradas pela divulgação da imagem neste mês, além de comprovar o que pesquisadores supunham, Thaisa também destaca outros pontos importantes, como a tecnologia utilizada no projeto, que permite combinar vários telescópios em lugares diferentes e conseguir captar a imagem do buraco negro. Sem essa tecnologia, seria necessário um telescópio do tamanho da terra para enxergar e definir a imagem do gás em torno do buraco negro. “Isso abre um maior interesse e possibilidade de investimento na área de interferometria, que vai permitir que a gente observe coisas que precisaríamos de um telescópio gigante para observar”, afirma.

Após diversos anos estudando o tema, Thaisa conta ter ficado realizada ao ver a primeira imagem oficial de um buraco negro. “Eu tenho observado essas assinaturas de gás girando a uma altíssima velocidade. Então, eu fiquei muito feliz. É uma emoção enorme ver essa primeira imagem que está mostrando esse gás”, diz. Ela explica que anteriormente à imagem, os cientistas só conseguiram observar uma assinatura cinemática do gás. “Eu sabia que esse gás estava a uma altíssima velocidade e que ele estava numa órbita circular ou elíptica em torno do buraco negro. A gente só fazia modelos de como o gás estaria orbitando ali no buraco negro e é muito interessante que os modelos são parecidos com a imagem que finalmente se obteve. É uma coisa que nos dá mais segurança de que a física que a gente usa para interpretar as observações, mesmo sem poder fazer uma imagem, estava certa”, diz.

Thaisa reforça ainda que a imagem comprova a teoria da relatividade geral criada há mais de um século por Albert Einstein. “O resultado e a forma do anel de luz em torno do buraco negro revela vários aspectos que ainda estão sendo explorados. Um deles diz respeito ao sentido de rotação do gás. A gente conclui que é no sentido horário. Para fazer a simulação precisamos usar a relatividade geral do Einstein e a imagem é muito parecida com as simulações. Isso dá apoio de que a relatividade geral está certa, o Einstein estava certo e estamos comprovando isso mais uma vez na história”, afirma. Segundo ela, a partir de agora é preciso que pesquisadores continuem observando outras galáxias para tentar registrar mais imagens de buracos negros, inclusive na Via Láctea.

Cenário atual da ciência no Brasil

Para a astrofísica, a aproximação entre a população e os temas científicos mais distantes do cotidiano das pessoas, como buracos negros, por exemplo, perpassa pelo investimento na divulgação da ciência dentro da sociedade. “Os colégios precisam investir mais em professores de ciência, a formação desses professores precisa ser mais sólida em astronomia. Eu acho que os meios de comunicação deveriam ter editores de ciência que façam, periodicamente, pequenos cursos em diferentes áreas da ciência e que é essencial os institutos de pesquisa e as universidades terem pessoas que façam divulgação da ciência”.

De acordo com ela, a disseminação da ciência não pode depender somente de quem trabalha com o tema: “A gente [pesquisadores] fica lá na universidade fazendo pesquisa, precisamos também fazer pedidos de verba, fazer pedidos de tempo, precisamos dar aula, no caso da universidade. É uma correria e esquecemos de fazer essa divulgação”.

Thaisa também aponta a necessidade do investimento em ciência por parte dos governantes e critica o desmonte que a área vem sofrendo no Brasil, assim como o congelamento de verbas destinadas ao setor pela Emenda Constitucional 95, instituída no Governo Temer, que congela investimentos na área social por um período de 20 anos. Segundo ela, destinar verbas para a ciência deve ser encarado como um investimento no futuro da nação. “Eu acho que, em primeiro lugar, os governos têm que entender que investir em ciência não é gasto. Cortar verbas para a ciência é muito ruim porque a gente já está no limite das verbas necessária. A ciência está em todos os progressos que levam a uma vida melhor para a humanidade. Então, eu acho que precisa aumentar esse investimento e não congelar como foi feito recentemente”, afirma.

Ainda, a cientista dialoga sobre a necessidade em convencer as autoridades brasileiras da importância de investir na ciência. “O progresso passa muito pelo apoio à ciência em todos os níveis, desde a educação até os experimentos mais sofisticados. A gente tem que tentar convencer os deputados, as autoridades, ministros e etc. E o ministro da Ciência e Tecnologia tem que ter poder para tentar convencer a área econômica para aumentar os investimentos na ciência e tecnologia”, pontua. Thaisa também acredita que muitas vezes o debate acerca dos investimentos na área científica é marcado por um discurso com viés ideológico que, segundo ela, atrapalha o diálogo com as autoridades.

Presença feminina na ciência

Na semana em que houve a divulgação da primeira imagem do buraco negro, os veículos de notícias e os usuários de redes sociais também falaram muito sobre Katie Bouman. Aos 29 anos, a engenheira e cientista da computação liderou a equipe de mais de 200 cientistas responsáveis por reunir os dados dos diversos radiotelescópios utilizados no projeto para formar a imagem do buraco negro.

O nome de Katie e seu trabalho ganharam visibilidade ao redor do mundo. O Massachusetts Institute of Technology (MIT) fez uma publicação no Twitter comparando Katie com Margaret Hamilton, cientista da computação do MIT que foi responsável por escrever o código que ajudou a levar o homem à lua. No post, fotos das cientistas com o resultado de seus trabalhos aparecem lado a lado.

A astrofísica Thaisa acredita que a visibilidade em torno do trabalho de Katie ajuda a valorizar o papel das mulheres na ciência. “É bem importante chamar a atenção para essa moça bonita, jovem, que é uma cientista e que contribuiu para um resultado importante, de relevância mundial para a ciência. Ela teve esse destaque por ser mulher, é claro que muito homens fizeram trabalhos semelhantes ao dela, mas acho que isso aí é um ato político de apoio a uma maior participação das mulheres na ciência”, afirma.

Ao mesmo tempo em que Katie tornou-se um ícone da primeira imagem do buraco negro, a jovem cientista também virou alvo de discursos machistas nas redes sociais. Após os ataques, Katie e os outros pesquisadores envolvidos no projeto manifestaram-se divulgando comunicados onde afirmavam que a cientista não foi a única responsável pela imagem. Alguns dos comentários machistas comparavam Katie com o seu colega de pesquisas Harvard Andrew Chael. Na ocasião, Chael publicou uma série de tuítes afirmando que o projeto “nunca teria funcionado sem as contribuições” de Katie e de outros pesquisadores da equipe. “Existem cerca de 68.000 linhas no software atual, e eu não me importo com quantas delas eu criei pessoalmente. Essas críticas surgiram porque algumas pessoas estavam chateadas pelo fato de que uma mulher foi o rosto dessa parte da história”, disse na publicação.

Para Thaisa, é preciso dar continuidade à política de valorização de mulheres cientistas. “A gente não pode esquecer de valorizar os homens na ciência, só que eles têm sido valorizados mais ao longo dos anos. É uma política que vale a pena continuar por mais um tempo”.

Em 2015, a astrofísica foi uma das cinco cientistas que ganharam o prêmio internacional L’Oréal-UNESCO For Women in Science, que possui versões regionais e uma mundial. Thaisa enxerga essa premiação como um apoio às mulheres cientistas: “Esse prêmio também tem o aspecto de divulgação da ciência e das mulheres como cientistas, já que a gente não tem tanto modelo de mulheres cientistas. É difícil achar uma menina que diga ‘eu quero ser cientista’, elas querem ser modelos, atrizes. Então eu acho que esse prêmio é muito valioso nesse sentido de apoiar e dar mais visibilidade para o trabalho científico e, em particular, realizado pelas mulheres”.

Questionada sobre ter sofrido alguma dificuldade ao longo de sua trajetória científica pelo fato ser mulher, Thaisa lembrou de alguns episódios, mas afirma que no início de sua carreira, uma vez que a presença feminina dentro da ciência era ainda menor que hoje, as pessoas davam atenção para ela “pela curiosidade”. “Sentiam uma certa curiosidade, então teve esse aspecto também de mais atenção por ser mulher”, conta. Porém, muitas vezes sua presença no meio científico gerava comentários machistas por parte de outras pessoas. “Sempre que eu estava observando com um astrofísico norte-americano durante meu doutorado tinha um comentário malicioso, como se eu estivesse ali só acompanhando ele e não sendo uma cientista protagonista”, lembra.

Para ela, o episódio mais marcante aconteceu quatro meses após o nascimento de seu filho caçula. Thaisa iria ficar uma semana no Observatório InterAmericano de Cerro Tololo para realizar uma observação noturna, e não estava conseguindo permissão para levar o filho junto para continuar amamentando. “Ele tinha quatro meses de idade e eu queria amamentar até pelo menos os oito meses. Daí pedi para levar o bebê para a montanha e a primeira resposta foi ‘não, a gente não tem estrutura para manter o bebê aqui, ele vai chorar e acordar os astrônomos que dormem durante o dia em quartos contíguos’”, conta. Só após muita insistência que Thaisa conseguiu levar o filho para o período de observação. “Eu não desisti e fui categórica, disse ‘eu tenho que observar, isso é importante para a minha ciência, mas eu também não quero deixar de amamentar meu filho tão cedo e preciso levar ele’, lembra. O Observatório conseguiu uma casa separada do dormitório onde Thaísa pudesse ficar com o filho e com uma babá, que contratou para cuidar da criança enquanto ela realizava as observações e enquanto dormia. “No fim deu certo, mas isso foi uma dificuldade que eu tive que enfrentar por ser mulher e querer levar o meu bebê.”

Após muitos anos atuando como uma cientista, Thaisa reforça que é necessária uma maior participação feminina dentro da ciência. “As mulheres são somente 30% das cientistas no mundo e a gente deveria ser 50%, como em todas as atividades humanas. Na física é 10%. Esses números têm que mudar”. De acordo com Thaisa, a premiação que ela recebeu em 2015 fez com que o reconhecimento do seu trabalho não ficasse somente no meio acadêmico e que seu papel enquanto cientista ganhasse visibilidade maior dentro da sociedade.

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