por Renato de Oliveira

Sociólogo - professor aposentado UFRGS

Quarta-feira, 11 de setembro de 2019

As forças econômicas e políticas que estão por trás do projeto têm nomes e CNPJ

Um futuro para o ensino superior brasileiro

Fonte: Blog da Folha 

As forças econômicas e políticas que estão por trás do projeto Future-se têm nomes e CNPJ. São as empresas privadas de educação, que dominam amplamente a oferta de ensino superior no Brasil.

Nos últimos 15 anos, elas foram cevadas com a generosidade de recursos públicos, beneficiadas com iniciativas de governo que aboliram o risco de inadimplência dos seus alunos, garantindo taxas de lucratividade e confiabilidade financeira ao seu negócio que lhes permitiram abrir seus capitais na Bolsa de Valores. Resultado dessa política, o ensino superior brasileiro é um dos mais privatizados do mundo: 7 de cada 10 estudantes estão em instituições privadas, a imensa maioria com fins lucrativos.

Hoje, essas empresas, através de um governo que lhes representa em tudo e por tudo, apresentam sua grande cartada: transferir o núcleo virtuoso das universidades públicas – sua qualidade acadêmica e sua capacidade de pesquisa – para elas próprias, através da mediação de Organizações Sociais que elas próprias constituirão. Realizada essa operação, sem dúvida delicada, as atuais universidades federais serão carcaças vazias, que poderão ser eliminadas sem maiores problemas.

Esse é o projeto. Como enfrentá-lo? Certamente não o será através da defesa do status quo das universidades públicas. Independentemente dos descasos governamentais, as universidades públicas têm problemas graves, e devemos reconhecê-los se quisermos ganhar o apoio da sociedade – que, diga-se de passagem, conhece muito mais as instituições privadas do que as públicas.

Em primeiro lugar, precisamos mudar seu regime jurídico. O regime atual, de autarquias, não serve, pois conceitualmente uma autarquia é um órgão de governo, o que automaticamente anula a autonomia que as universidades devem ter. Uma universidade deve ser uma instituição autônoma destinada à realização de uma função pública, e devemos buscar um conceito jurídico que lhe seja próprio.

Em segundo lugar, devemos reconhecer que o atual modelo de financiamento é inadequado. Querer expandir o ensino superior público com base neste modelo de financiamento é inviável. Assim, ou aceitamos que a expansão do ensino superior, absolutamente necessária, significa a privatização cada vez maior do sistema, ou buscamos fontes alternativas de financiamento. Aliás, os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, que geram recursos significativos, partiram de uma proposta apresentada pela diretoria da Andes no final dos anos 1990 para aumentar os recursos das universidades públicas.

Em terceiro lugar, precisamos acabar com a ilusão de unicidade institucional das universidades. Devem-se criar modelos institucionais distintos baseados na definição de missões institucionais específicas. Por exemplo, está na hora de definirmos um modelo de universidades voltadas ao desenvolvimento regional, que prioritariamente pesquisem e desenvolvam tecnologias aplicadas à solução de problemas regionais. Esse modelo já existe em inúmeros países – o caso mais célebre é o das Universidades de Ciências Aplicadas da Alemanha – e seu sucesso, medido em termos de impacto social e econômico, é indiscutível.

Finalmente, devemos discutir, elaborar e aprovar uma Lei Orgânica do Ensino Superior. Um estatuto legal que estabeleça os princípios básicos para todo o sistema, público e privado, de forma a garantir o interesse público numa atividade que é essencial para garantir a soberania de uma nação no mundo atual.

 

* Renato de Oliveira, ex-presidente do Andes-SN (Sindicato Nacional de Docentes do Ensino Superior), ex-diretor-presidente da Fapergs (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) e ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul Com formação em sociologia, Oliveira também é professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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